REFLEXÕES PEDAGÓGICAS DA PANDEMIA
Um comentário lido no Facebook me incomoda.
“Prá quê dar FUNDEB pros professores? Não fizeram quase nada nesse ano letivo?”
O sangue ferve, emoção dói. E sabe por quê? Por causa de situações assim, ó:
Faz parte do grupo de risco por ser portador de doença crônica.
Acorda cedinho,
Prepara café para sua linda família e, enquanto toma café, já está pensando em como fazer um bannerzinho bem bacana para motivar seus alunos de Ensino Médio da periferia.
Todos alimentados, vai para o celular.
Motiva os alunos a irem para seus televisores, pegarem seus celulares, seus notebooks (que pouquíssimos têm o privilégio de ter!) para assistirem ao programa oferecido pelo Estado e ainda acompanha estas aulas!
Faz chamada pelo WhatsApp, passa orientações sobre como fazer as tarefas destas aulas na plataforma da escola.
Enquanto as aulas do programa rolam, digita o planejamento SEMANAL, preenche o formulário de HTP (ou HTPC) prepara o conteúdo, as atividades avaliativas, o material de apoio e posta tudo na plataforma.
Corrige, envia a devolutiva para o aluno, alerta nos grupos àqueles que ainda não quiseram.
Prepara para sua Coordenadora Pedagógica uma lista de alunos que sumiram do mapa, com os quais se preocupa, não só porque ficarão sem notas e de recuperação, mas se estão bem, se eles e seus familiares contraíram o novo Coronavírus, se estão empregados, a salvo da crise financeira.
Detalhe: tudo isso com internet que alguém roteia para ela!
Concomitantemente, ela já prepara o almoço da família.
Após o almoço e a colaboração familiar segue para o 2.º turno de trabalho:
Entra na plataforma, corrige as atividades discursivas, deixa que o formulário da empresa G faça isso, atribui notas, lança o quantitativo em uma planilha específica (a esta altura já são quase 16:30!)
Alguns estudantes, perceptivelmente desmotivados, param de enviar as tarefas, simplesmente.
Outros viajam para os interiores, não são fáceis de serem localizados.
Outros, não compreendem a importância do estudo nesse cenário e, mesmo tendo condições materiais, não estudam, não fazem suas atividades, não se automotivam.
Esta rotina se estende assim até o final de ano.
Do outro lado, na escola, os colegas em trabalho presencial não vivem realidade diferente. São muitas as demandas!
Planos anuais estão feitos? E os do 1.º bimestre? E das 20 semanas do período de isolamento? E os formulários de registros das Horas de Trabalho Pedagógico? E como será o retorno às aulas presenciais?
Planejamentos são revistos, repriorizados, reconfeccionados.
Agora são mensais – maioria comemora: “- Menos formulários! - Menos mau!”
Mas ainda temos Diários de Classe – manuais, ao invés de digitais (enorme retrocesso!), Fichas cumulativas, aparatas (registros das médias bimestrais).
Avaliações diagnósticas, análises de resultados de rendimento, planejam intervenções para que os alunos aprendam pelo menos o mínimo NECESSÁRIO.
Recuperação do 2.º bimestre, do 3.º, do 4.º, Recuperação final! (Quase um Ufa!)
Aluno faz. Aluno não entrega. Aluno sumiu desde o decreto do período de isolamento. Onde está? Aluno parou de frequentar.
Desde março gestores, pedagogos, coordenadores, professores, não param de usar o telefone em busca de seus pupilos para que ovelha alguma deixe o rebanho, para que ninguém fique para trás!
Responsável não atende. Telefone não existe. Ninguém conhece aquelas pessoas naquele número.
Manda mensagem pelo WhatsApp, por SMS, Messenger, Direct, perguntemos aos colegas de sala, peçam sinal de fumaça, visitem as casas, motivem os meninos!
Ainda assim há quem não queira fazer NADA.
Alguns são encontrados: pai falecido; mãe adoentada. Tutores desempregados... meninos indo mais cedo para o mercado de trabalho.
Desmotivação que sobe, sonhos que quase descem ladeira abaixo.
Professores e pedagogos viram psicólogos, colo à distância, conselheiros, tutores, coachs.
Isso tudo enquanto aprendem a ser Tik Tokers, YouTubers, dominar o Jamboard, o Formulários, o Docs, o Classroom, o Meet, a fazer lives, imprimem tarefas a quem nem um celular tem e muito mais ferramentas que lhe possam ofertar!
Nos tornamos atores, sendo ainda filhos, companheiros, pais, irmãos, tios, primos, indo para além de todas as nossas capacidades, competências e habilidades!
Ensinamos os pais a ensinar, porque muitos não sabiam mais como lidar com seus filhos por tanto tempo em casa!
Reensinamos nossos meninos a sonhar e a traçar seus projetos de vida e, nesse meio tempos, reaprendemos a repensar os nossos próprios projetos, porque não sabíamos se amanhã ainda teríamos VIDA.
Atendemos nossos alunos já sem organização alguma muuuuuito além de nossos horários de trabalho pelas manhãs, tardes, noites, madrugadas, pontos facultativos, dias santificados, finais de semana, nas reuniões de família!
E ai de nós se desligarmos nossos celulares! Há quem esperneie e reclame porque não foi atendido!
Tivemos perdas reais.
Choramos dores reais.
Vivemos a ansiedade, a depressão, noites e noites de insônia, dores de estômago, as lesões causadas por movimentos repetitivos, dores de coluna, cabelos ainda mais esbranquiçados; alguns ganharam uns quilos a mais; outros, uns quilos a menos.
Todos ganharam novas experiências.
Os abraços ganharam mais valor.
A lágrimas, mais relevância.
O simples toque virou alento prá alma.
O olhar, a mais bela forma de comunicação!
Assim foi nosso ano letivo de 2020: muito, mas muuuuuito trabalho!
Mas também de ensinamentos infindos, de riqueza moral imensurável!
Em vista de tudo isto ainda há quem diga que em 2020 “o professor não fez nada!”
A estes, mandamos beijos no ombro, uma banana e a certeza de que o magistério, a docência é lugar somente para gente FORTE, DETERMINADA, RESISTENTE e HUMANA.
Nesta pandemia, vocês foram e são meus heróis, assim como aqueles que estão nas diversas unidades de saúde e segurança, guerreando por nosso bem estar e nossas vidas todos os dias.
A vocês, dedico minha gratidão e
Vanessa Lima de Almeida.
Pedagoga.